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larvicida guttemberg britoPesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz acabam de descobrir uma enzima digestiva nas larvas do mosquito Aedes aegypti - transmissor de doenças como dengue, chikungunya e o Zika vírus. E além de descobrir a enzima, descobriram também como inibi-la, impedindo que as larvas façam a digestão dos alimentos, levando-as à morte. A descoberta abre caminho para o desenvolvimento de um novo larvicida - inseticida específico para larvas - e que tem um diferencial promissor: ao agir especificamente nas larvas do Aedes aegypti, a substância reduz o impacto ambiental, não afetando seres humanos e nem outros insetos, como borboletas, abelhas e besouros.

A descoberta foi recentemente publicada em artigo assinado por uma equipe de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz liderada por Fernando Ariel Genta, coordenador do Programa de Pós-graduação em Vigilância e Controle de Vetores da Fundação Oswaldo Cruz e membro do comitê gestor do INCT em Entomologia Molecular. “O que determina o tamanho da população de um mosquito é a abundância de criadouros larvais, se quisermos controlar o mosquito Aedes aegypti, temos que controlar as larvas, não os adultos. E para ter estratégias eficientes de controle, precisamos conhecer melhor as larvas” afirma Fernando Genta. “A maioria dos estudos sobre Aedes aegypti está concentrado em entender a biologia dos mosquitos adultos, principalmente nas fêmeas, que sugam o sangue e transmitem as doenças. A biologia das larvas é muito menos estudada, tanto é que só agora estamos descrevendo uma das principais enzimas digestivas do animal, um tipo de conhecimento muito básico que já tinha sido descrito nas fêmeas do mosquito há décadas”, afirma Genta. 

Os pesquisadores já tinham indícios sobre a ação da enzima - chamada beta-glucanase - em estudos anteriores, que mostravam que era uma peça fundamental para a sobrevivência e desenvolvimento das larvas. O grupo trabalhou, então, mapeando o gene responsável pela produção dessa enzima, como? Silenciando a expressão do gene utilizando a técnica do RNA de interferência, que vem sendo utilizada por diferentes grupos de pesquisa que trabalham no desenvolvimento de inseticidas. “Um inseticida baseado no RNA de interferência é extremamente específico, só o Aedes tem aquele DNA, aquelas sequências e genes específicos. Isso garante que o inseticida vai ter ação só sobre o Aedes”, afirma Genta. 

Novo larvicida e seu diferencial

Um dos diferenciais do larvicida que pode ser desenvolvido a partir da descoberta é atuar no sistema digestivo, bloqueando a digestão da larva do Aedes - impedindo que se alimente de leveduras presentes na água onde os ovos eclodem. Já a maioria dos larvicidas que existem no mercado atuam no sistema nervoso das larvas, inibindo a transmissão de impulsos nervosos, mas apresentam um problema: as moléculas desses larvicidas tem atividade neurotóxica contra qualquer inseto. Outros larvicidas, utilizados principalmente na agricultura, são baseados na bactéria Bacilus thuringiensis, e provocam uma infecção intestinal que leva à morte das larvas, mas também apresenta um dificultador no controle do Aedes. “A grande questão do Bacilus é que ele dura muito pouco tempo em água, de uma semana a quinze dias no máximo. E a estabilidade da bactéria na água para o controle de mosquitos precisa ser muito maior, de pelo menos um mês e meio, que é o tempo que o agente de saúde leva para visitar um foco de larvas. Essa é a dinâmica do controle no Brasil”, afirma Genta, que lembra que outros grupos de pesquisa, inclusive da Fiocruz, vem trabalhando para ampliar a estabilidade das preparações.

E só um larvicida contra as larvas do Aedes já não basta? Não. Pesquisas mostram que, com o tempo de uso, as populações de mosquitos desenvolvem resistência aos produtos usados no controle do Aedes aegypti, o que leva os cientistas à busca incessante por novos alvos biológicos e substâncias que atuem nesses alvos, que possam gerar novos larvicidas. “Quando uma população de insetos começa a ter resistência contra um desses tipos de inseticida, o caminho é combinar e atacar diferentes alvos biológicos. Provavelmente o alvo que nossa equipe descobriu vai ser combinado a outros alvos, com os quais outros grupos de pesquisa estão trabalhando, e assim por diante”, afirma Fernando.

O futuro é promissor - mas o desenvolvimento de um novo larvicida utilizando o alvo recém-descoberto e a técnica de silenciamento do gene por RNA de interferência precisa de mais testes e ganhar escala. “Este trabalho foi feito em um contexto de pesquisa básica, de estudo fisiológico sobre a biologia das larvas. Nos ensaios, obtivemos uma taxa de mortalidade de 40% em um período muito curto, de apenas 30 minutos, em uma concentração padrão, o que é promissor e pode melhorar”, afirma Fernando. “Um próximo passo seria produzir o material genético modificado em grande quantidade, e o caminho mais factível é produzir isso usando bactérias geneticamente modificadas, ou as próprias leveduras geneticamente modificadas. Poderíamos fazer isso em microorganismos, cultivá-los em bioreatores, de tal maneira que eles produzam esse RNA dupla fita em grande quantidade”.

Rosa Maria Mattos, assessora de comunicação do INCT de Entomologia Molecular . Foto: Gutemberg Brito / Instituto Oswaldo Cruz

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