Repetindo o sucesso da primeira edição, ocorrida no primeiro semestre de 2020, nos dias 11 e 12 de novembro, foi realizada a 2ª edição do Encontro Virtual do Grupo Arthromint. O evento, que há 23 anos reúne interessados no estudo de parasitos ou vetores de patógenos de grande importância em saúde pública, trouxe em sua grade de programação online duas palestras, duas sessões de mesas aleatórias (nas quais alunos e pós-docs apresentam seus projetos e/ou resultados) e mesas temáticas para a discussão de tópicos importantes para a área, coordenadas por docentes e pesquisadores experientes.
Na abertura do Encontro Virtual, a professora Andrea Fogaça (USP) relembrou a primeira edição do evento ocorrida, em 1997, na pousada do Pássaros, na paradisíaca Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Na época, o encontro reuniu 64 participantes. O número foi aumentando ano a ano, chegando até o seu ápice, em 2007, quando o evento agregou 265 pesquisadores. “Após esse período, veio a crise econômica, o que reduziu gradativamente o número de participantes nesta última década” - observou a professora Andrea. Nesta 2ª edição virtual, o evento registrou 108 inscrições consolidadas.
“Não tem chuva na Ilha, mas tem problema de conexão!” - brincou Andrea Fogaça, logo no início da transmissão ao vivo do Encontro, pelo canal do YouTube do Arthromint. Com jogo de cintura para lidar com imprevistos intrínsecos ao novo normal, a pesquisadora da USP fez a abertura do evento juntamente com o professor Itabajara Vaz-Jr (UFRGS). Na ocasião, a dupla, que coordenou o grupo de trabalho que organizou o evento virtual, agradeceu ao apoio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Entomologia Molecular (INCT-EM) e também às doações feitas pelos participantes do Encontro.
Assim como ocorreu em sua 1ª edição virtual, o Grupo Arthromint decidiu fazer novamente um evento “solidário”, com inscrições gratuitas, sugerindo que os participantes fizessem doações para grupos de pesquisa da UFRGS, USP e UFRJ, que continuam na linha de frente do combate à Covid-19. “Em 29 de maio, quando houve a primeira edição do Encontro online, o Brasil computava 25 mil mortos pela pandemia, e agora, quase 06 meses depois, nesta 2ª edição, esse número já ultrapassa os 165 mil óbitos” - pontuou, com tristeza, a professora Andrea Fogaça.
Dois dias de intensa programação
Acatando sugestões dos participantes da primeira edição online, o 2º Encontro Virtual do Grupo Arthromint foi realizado em dois dias. Com uma grade de programação ampliada, o evento iniciou com a apresentação de duas palestras, e prosseguiu seu programa com atividades simultâneas, que totalizaram 12 mesas temáticas e 30 mesas aleatórias de apresentação de trabalhos, divididas em duas sessões.
Grandes vilões da agropecuária mundial e agentes transmissores de uma doença de crescente relevância epidemiológica nos EUA e Canadá (Lyme disease), os carrapatos estiveram na berlinda das duas palestras plenárias do evento. O Dr. Guilherme Marcondes Klafke, pesquisador do Laboratório de Parasitologia do Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF), localizado em Eldorado do Sul/RS, explicou, com profundidade e didática, como ocorre a resistência à pesticidas em carrapatos e apresentou algumas estratégias que têm sido aplicadas, atualmente, para desenvolver acaricidas que sejam mais efetivos para reduzir a infestação de carrapatos, que causam prejuízos severos à pecuária mundial.
Guilherme Klafke é um médico veterinário jovem que se destaca por associar a pesquisa básica com a pesquisa aplicada, devido a sua proximidade com os produtores rurais. Além de trabalhar em um instituto de pesquisa ligado ao Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (DPPA) do Rio Grande do Sul, ele também é pesquisador associado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Entomologia Molecular (INCT-EM). Há 16 anos, Guilherme Klafke se dedica a estudar a resistência de carrapatos às drogas antiparasitárias. Para o pesquisador, essa resistência se dá através de mecanismos evolutivos.
Decifrando a resistência de carrapatos à pesticidas
“Os carrapatos são artrópodes, da classe dos aracnídeos, que se originaram há 60, 70 milhões de anos e passaram por três períodos de extinção em massa. Ou seja, possuem uma grande capacidade de adaptação” - destacou Guilherme Klafke, ressaltando que fenômenos de microevolução podem ser observados, por exemplo, quando uma população de carrapatos tem mutação em um gene que impede a ação de um carrapaticida.
“Por seleção natural, os carrapatos que não possuem essa mutação são eliminados” - completou o pesquisador que, em 2018, publicou um artigo, no International Journal for Parasitology - Drugs and Durg Resistence, em que apresentou a técnica Real Time PCR- High Resolution Melt/ HRM - até então inédita para detectar mutações nos canais de sódio, sítio-alvo dos inseticidas piretróides - para diagnosticar o mecanismo de resistência desta classe de drogas em carrapatos bovinos (Rhipicephalus microplus).
“Para controlar a infestação de carrapatos, é necessário diagnosticar a resistência e esse diagnóstico pode ser feito por testes toxicológicos ou moleculares” - observou o pesquisador, que em sua palestra mostrou a comparação entre os dois tipos de testes. Apesar de ter um custo mais alto e necessitar de equipamentos avançados e pessoal especializado para sua execução, os testes moleculares são mais rápidos e mostram-se mais sensíveis para detectar a resistência, pois conseguem identificar raros alelos mutantes, antes da manifestação da resistência no campo. Uma outra vantagem, segundo o especialista, é os testes moleculares terem uma versatilidade maior no uso da amostra biológica, sendo capazes de serem realizados em qualquer fase da vida do carrapato, inclusive após a sua morte.
Segundo o médico veterinário, atualmente, não há nenhuma molécula nova que seja capaz de controlar a população multirresistente, por isso é necessário o uso de uma combinação de drogas. Desta forma, a busca de pistas genéticas para elucidar a resistência dos carrapatos a pesticidas, mostra-se um caminho promissor para a descoberta de novos alvos moleculares em que os carrapaticidas possam vir a atuar, tornando a pecuária mais sustentável e menos suscetível à infestação destes parasitas.
Homeostase no hospedeiro regulada por fatores do carrapato
Dando continuidade a sessão de palestras do 2º Encontro Virtual do Grupo Arthromint 2020, uma palestra internacional trouxe um novo olhar sobre a pesquisa com carrapatos, com o foco na relação do parasito com o hospedeiro. O Dr. Michalis Kotsyfakis, pesquisador do Laboratório de Genômica e Proteômica de Vetores de Doenças, do Centro de Biologia da Academia Tcheca de Ciências (República Tcheca) proferiu uma palestra em que abordou como a homeostase no hospedeiro pode ser regulada por fatores do carrapato.
Em sua pesquisa, o Dr. Michalis busca estudar os fatores biológicos que determinam o sucesso do carrapato na alimentação de sangue do seu hospedeiro. Ao compreender como funciona o mecanismo de anticoagulação promovido pela saliva do carrapato Ixodes ricinus, o pesquisador busca desenvolver modelos que possam ser úteis para desenvolver métodos para prevenir e tratar doenças transmitidas por esses patógenos.
Os dados produzidos em seus estudos formam a base conceitual para entender quais cascatas proteolíticas do hospedeiro vertebrado são reguladas pela secreção salivar do carrapato em locais de infestação, e como os constituintes salivares facilitam a absorção de sangue pelo carrapato.
Um outro objetivo do estudo do Dr. Michalis Kotsyfakis é testar as ações farmacológicas de proteínas salivares recombinantes de carrapatos e RNAs não-codificantes (não-codificantes longos e microRNAs) e seu mecanismo de ação no hospedeiro vertebrado em nível molecular, celular e orgânico, a fim de acelerar o desenvolvimento de novas drogas antiparasitárias.
Vacinas anticarrapatos, kits de diagnóstico para monitorar a exposição de hospedeiros vertebrados, pesticidas menos resistentes e medicamentos mais eficientes para tratar doenças causadas pelos carrapatos são alguns produtos que podem ser obtidos, em um futuro próximo, com a aplicação desta pesquisa básica coordenada pelo Dr. Michalis Kotsyfakis, pesquisador grego, baseado na República Tcheca.
As duas palestras apresentadas no evento estão disponibilizadas na íntegra no canal do Arthromint no YouTube, para assistir acesse o link: https://youtu.be/oSFP9V6chEs
Oportunidade para estudantes apresentarem seus trabalhos
As já tradicionais sessões de mesas aleatórias de apresentação de trabalhos ocuparam a programação da parte da tarde, dos dois dias do evento. Ao todo, 30 mesas aleatórias foram apresentadas, sendo cada uma composta por 1 ou 2 pesquisadores ou docentes, 1 pós-doc e 4 a 6 estudantes de Graduação (Iniciação Científica) ou Pós-graduação (Mestrado ou Doutorado).
Em cada dia, 15 sessões de mesas aleatórias foram transmitidas ao vivo, de forma simultânea, por diferentes plataformas digitais como Google Meets, WebConf e Zoom. As discussões dos trabalhos inscritos no evento acorreram durante 03 horas consecutivas, das 14 às 17h. Como é de costume nos eventos Arthromint, os pesquisadores e docentes atuaram como moderadores, estimulando a discussão entre os membros da mesa, enquanto cada participante apresentava os dados de seus projetos de pesquisa.
Espaço para aprofundar diferentes temáticas
Nesta 2ª edição online do Encontro Arthormint, já no processo inscrição, os participantes do evento tiveram a árdua tarefa de escolher para assistir, somente uma opção, entre as 12 mesas temáticas disponíveis na grade de programação da manhã do segundo dia (12/11) do Encontro Virtual. Assim como as mesas aleatórias, as mesas temáticas foram realizadas por videoconferências criadas e coordenadas por um pesquisador responsável e, transmitidas ao vivo, em horário simultâneo (das 9:30 as 12:30), via plataformas como Google Meets, Zoom e Webconf.
Artrópodes vetores de interesse veterinário; biologia dos ovos de insetos; comportamento de insetos vetores; digestão em insetos; epigenética em parasitos helmintos e seus hospedeiros; interação de tripanossomatídeos com artrópodes; miniaturização dos organismos modelo; monitoramento de comportamento com software Ethoflow; sistema imune de insetos; alimentação artificial em artrópodes e resistência a inseticidas foram os temas apresentados por docentes e pesquisadores experientes de diferentes instituições como: UFRRJ, UENF, FIOCRUZ, UFRGS, IOC, Unicamp, UFRJ, USP, UFV e Instituto Butantan.
Apesar desta 2ª edição 2020, novamente, não poder ter sido realizada no paradisíaco cenário da Ilha Grande, RJ, com a troca de calor humano típica de um evento presencial, o Encontro do Grupo Arthromint continua cumprindo o seu importante papel: promover (mesmo que em ambiente virtual) a integração entre diferentes pesquisadores e estudantes, que se dedicam ao estudo das mais diversas áreas de pesquisa de artrópodes e helmintos, com o objetivo de promover a melhoria dos serviços de saúde do Brasil.
Acesse neste link o livro de resumos do evento.
Por Lúcia Beatriz Torres (jornalista de ciência do INCT-EM), com a revisão de Andrea Cristina Fogaça.