Em recente estudo publicado na revista PLoS Biology (1) pesquisadores demonstraram que a nitisinona, medicamento usado para tratar uma doença genética rara, seria capaz de matar insetos que se alimentam de sangue, enquanto deixa os insetos polarizadores ilesos. O estudo comprovou em laboratório que a nitisinona interrompe a transmissão de tripanossomas pelas moscas tsé-tsé, que causam a doença do sono em humanos e a tripanossomíase africana, em animais. A partir desta descoberta acredita-se que nitisinona também possua potencial para impedir a transmissão de parasitas mortais por outros insetos que se alimentam de sangue, como pulgas, carrapatos e mosquitos.
O estudo foi realizado pela Liverpool School of Tropical Medicine, Reino Unido, junto a uma equipe internacional de pesquisadores coordenada pelo biólogo sênior Álvaro Acosta-Serrano. A inspiração para o desenvolvimento da pesquisa se deu quando o co-autor do estudo, Marcos Sterkel, biólogo vetorial da Universidad Nacional de La Plata, na Argentina. descobriu, durante o seu pós-doutorado no laboratório do Profº. Pedro Lagerblad Oliveira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que se alimentasse mosquitos ou percevejos com nitisinona, eles morreriam. Enquanto que os insetos, não alimentadores de sangue, como as abelhas, alimentados com a mesma droga ficavam completamente bem.
Originalmente desenvolvida como um herbicida, a nitisinona inibe a segunda enzima na via de degradação da tirosina, que quebra o aminoácido tirosina em moléculas que podem ser usadas pelo corpo. Os insetos alimentadores de sangue ingerem uma grande quantidade de sangue em cada refeição. Como o sangue contém grandes quantidades de proteínas, que são compostas de aminoácidos incluindo a tirosina, estas devem ser quebradas e digeridas.
Sterkel pensou que talvez bloquear a digestão da tirosina com nitisinona pudesse matar as moscas antes que estas transmitissem os parasitas que carregam para mais pessoas ou animais. Os pesquisadores descobriram que se eles derrubassem a expressão de qualquer uma das duas primeiras enzimas, na via do metabolismo da tirosina, as moscas tsé-tsé morriam ao se alimentarem de sangue. Os estudos demonstraram que não importava se as moscas ingeriam nitisinona ou roçavam a cutícula na substância, quando iam fazer a próxima refeição de sangue, ficavam paralisadas e sem conseguir se livrar de seus excrementos, morriam.
Proximos passos do estudo
Embora a nitisinona seja muito eficaz em matar as moscas tsé-tsé no laboratório, será importante determinar se a dose que ingerem de sangue humano ou animal é suficiente para matá-las no campo. A nitisinona ainda não foi testada em pessoas ou animais em regiões onde vivem as moscas tsé-tsé, mas os pesquisadores esperam fazer esses estudos em breve. Os resultados de sua modelagem sugerem que administrar doses mensais de nitisinona a pessoas e animais em regiões endêmicas da mosca tsé-tsé pode reduzir significativamente a transmissão do parasita.
Outra estratégia a ser comprovada seria a pulverização da droga na barriga de animais de rebanho, como vacas, para ter como alvo outros alimentadores de sangue que estão presos à vaca como carrapatos e moscas. Adicionar nitisinona aos mosquiteiros para atingir os mosquitos resistentes aos inseticidas poderia ser um outro caminho para evitar a transmissão de parasitas vetores de doenças mortais.
Quando os pesquisadores alimentaram abelhas com água com açúcar suplementada com nitisinona, as abelhas sobreviveram tanto quanto as abelhas não tratadas. Embora esses resultados sejam promissores, os pesquisadores querem testar se a nitisinona tem algum efeito na capacidade reprodutiva das abelhas também.
A doença do sono em humanos foi quase eliminada devido ao monitoramento cuidadoso da doença e intervenções terapêuticas direcionadas. No entanto, a tripanossomíase animal continua a ser um problema na África Subsaariana pois há muita resistência aos medicamentos e ainda indisponibilidade de vacinas para evitá-la.
Referência:
- Sterkel, M. et al. Repurposing the orphan drug nitisinone to control the transmission of African trypanosomiasis. PLoS Biol 19, e3000796 (2021).
Link para acessar o artigo:
https://journals.plos.org/plosbiology/article?id=10.1371/journal.pbio.3000796
Por Lúcia Beatriz Torres, jornalista de Ciência, INCT-EM, com informações da Drug Discovery News , publicada em 01 maio de 2021.