Ainda não foi dessa vez que o Grupo Arthromint se reuniu na pousada dos Pássaros, na paradisíaca Ilha Grande (RJ)... Com a persistência da pandemia de Covid-19, somada à ameaça de uma epidemia de nova varíola, o Encontro de 2022 foi realizado novamente de forma virtual para que os arthromínticos pudessem, mais uma vez, compartilhar conhecimento, de forma segura e colaborativa. Seguindo os mesmos moldes de programação dos três últimos eventos remotos - 2 palestras, 2 sessões de mesas aleatórias e 11 opções de mesas temáticas - a 4ª edição Virtual do Grupo Arthromint 2022 aconteceu nos dias 3 e 4 de agosto, reunindo mais de uma centena de interessados no tema de pesquisa de artrópodes e helmintos.
Com um percentual de inscritos bem equilibrado entre as categorias de iniciação científica, mestrado, doutorado e docente, o evento totalizou 114 participantes. Um número bem próximo ao Encontro presencial de 2019 - último evento realizado em Ilha Grande, antes de ser deflagrada a pandemia de coronavírus 2 - e o dobro de inscritos nas duas primeiras edições do Arthromint realizadas, nos anos de 1997 e 1998.
"No Arthromint, mais importante do que a apresentação dos resultados, é o compartilhamento das dúvidas e problemas" - observou Itabajara Vaz (UFRGS), na abertura do evento. "A maior missão do Arthromint é os participantes terem contato com diferentes pesquisadores e apresentarem não só os resultados que estão dando certo, como também trazerem dúvidas e problemas que estão impedindo o seu projeto ir para frente" - complementou Andrea Cristina Fogaça (USP), ressaltando que o evento é um ambiente fértil para novas ideias, pois promove o contato entre diversos pesquisadores. Desta forma, a interação com pessoas aleatórias pode trazer sugestões nunca pensadas pelo grupo de pesquisa envolvido no projeto.
"Às vezes é o aluno de IC que está na sua mesa aleatória, e trabalha com um assunto completamente diferente da abordagem do seu projeto, que pode trazer uma sacada interessante. Justamente por estar fora do seu contexto, ele consegue trazer uma sugestão inédita ou trazer à tona o nome de um pesquisador que pode ajudar o aluno a equacionar o seu problema" - exemplificou a professora Andrea, que ao lado do professor Itabajara coordena o grupo de trabalho responsável pelas edições virtuais do Arthromint.
Estudos sobre mosquitos foram destaque nas palestras Arthromint 2022
Com transmissão ao vivo pelo canal do Youtube do Arthromint, as palestras desta 4ª edição virtual focaram em estudos sobre os mosquitos e foram protagonizadas por duas pesquisadoras brasileiras: Rafaela Vieira Bruno (Fiocruz| RJ) e Vanessa Bottino Rojas (Universidade da Califórnia |EUA). A Dra. Rafaela Bruno ministrou uma palestra em que abordou o tema “Os muitos relógios de Aedes aegypti e como eles se acertam”. Logo após, a Dra. Vanessa Rojas apresentou o trabalho que desenvolve na Universidade da Califórnia, em Irvine, intitulado "Mosquito population modification for malaria parasite blocking".
Bióloga formada pela UFRJ, pesquisadora titular do Instituto Oswaldo Cruz e chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Insetos na mesma instituição, Rafaela Bruno é mãe e percursionista. Não é apenas na biologia que a pesquisadora estuda os ritmos (no caso os ritmos circadianos), na vida real também. Conheça em um vídeo produzido pelo canal do Youtube "A Ciência Explica", a Rafaela percussionista e a Rafaela Vieira Bruno, professora e pesquisadora da biologia de insetos. Acesse: https://youtu.be/Gf6_StTaFjg
"Os ritmos biológicos são eventos fundamentais, pois controlam atividades-chave na vida de qualquer organismo" - observou Rafaela Bruno logo no início de sua palestra com a indagação: "Mas como os diferentes relógios biológicos do Aedes aegypti se acertam? Circadianos (24 horas), ultradiano (menos de 24h, por ex: batimento das asas), infradiano (mais de 24h, por ex: busca de hospedeiro). Em sua pesquisa, a bióloga comparou também os diferentes ritmos biológicos em mosquitos Aedes e Culex (o famoso pernilongo ou muriçoca).
Relógios biológicos impactando na transmissão de doenças
“O Aedes aegypti parece ser mais sensível aos ciclos de temperatura, enquanto o Culex quinquefasciatus é essencialmente um inseto noturno” - explicou. Segundo a pesquisadora, estudar como os insetos modificam sua atividade locomotora em relação a diferentes formas de estímulos de luz e calor é importante para descobrir como os relógios biológicos podem impactar na transmissão de doenças.
No Instituto Oswaldo Cruz, o grupo de pesquisa da Dra. Rafaela está focado em projetos relacionados ao ritmo circadiano e à genética de populações de insetos vetores (mosquitos, flebotomíneos e barbeiros) bem como em aspectos particulares da biologia de Aedes aegypti, com destaque aos efeitos da infecção por arboviroses no relógio biológico e aos processos relacionados à embriogênese.
"A infecção por diferentes arboviroses tem relação com a atividade locomotora. Vírus afetam diretamente a atividade locomotora do mosquito, pois a infecção regula o modelo de relógio circadiano" - observou a pesquisadora. “Na dengue há redução no número de ovos, já na Zica e na Chikungunya a quantidade de ovos não se altera, entretanto, na Chikungunya há uma diminuição na viabilidade dos ovos” – complementou.
Edição gênica de mosquitos no combate à Malária
Biomédica formada pela Uni-Rio, a Dra. Vanessa Bottino Rojas realizou doutorado sanduiche na Universidade da Califórnia, em Irvine, nos EUA, com ênfase em técnicas de manipulação genética (CRISPR/Cas9) e edição gênica de mosquitos. Atualmente, a Dra. Vanessa é Postdoctoral Fellow da mesma instituição e trabalha com edição de genomas e mecanismos de gene drive em mosquitos vetores, em especial, o Anopheles stephensi, principal mosquito transmissor da malária.
Segundo a OMS, 50% da população mundial corre risco de contrair malária. A resistência dos mosquitos vetores aos inseticidas e a alta incidência de efeitos colaterais das drogas antimalaria, sinaliza para a urgência de novas ferramentas de controle. Em 2020, a OMS definiu como diretriz o apoio a tecnologias que possam ser úteis para o controle da malária, incluindo uso de mosquitos geneticamente modificados (manutenção do numero de insetos, sem a transmissão do vetor) e a supressão populacional (esterilidade dos mosquitos).
“Não existe superioridade em relação às ferramentas, insetos geneticamente modificados e supressão populacional, ambas as abordagens são complementares e importantes para combater a malária” – ressaltou a Dra. Vanessa Rojas. Segundo a pesquisadora, os tomadores de decisões precisam ter os dados científicos em mãos para colocar na balança os riscos e benefícios das novas tecnologias de controle, pois elas afetam o fitness reprodutivo da espécie, como esterilidade e modificação genética.
Em sua apresentação no Arthromint, a pesquisadora apresentou estudos desenvolvidos em seu laboratório na Universidade da Califórnia, focados em modificação populacional, a partir do uso da ferramenta gene drive (herança genética). “Importante ressaltar que o CRISPR/Cas9 based drive é um sistema sujeito a imperfeições. A recombinação não análoga pode gerar mosquitos resistentes ao drive” – sinalizou.
Compartilhando o conhecimento pratico desenvolvido nos últimos 3 anos nos EUA, a Dra. Vanessa mostrou como é o passo a passo da modificação genética dos mosquitos Anopheles stephensi. Ressaltou a importância de se observar as alterações fenotípicas do inseto, como por exemplo, a mudança da cor do olho, como um marcador do mosquito geneticamente modificado.
“Uma observação mais atenta de modificações fenotípicas desses mosquitos é necessária, pois a intenção é introduzir a espécie modificada no ambiente natural” – observou a pesquisadora que também desenvolve pesquisas em sistemas não-drive, com ejetores antimaláricos. Técnica em que uma molécula com anticorpo especifico para combater o parasita e injetada dentro do mosquito.
As palestras da 4ª edição Virtual do Grupo Arthromint 2022 estão disponíveis no Youtube, acesse o link para assistir: https://youtu.be/3YgZwhKdWjg